segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Cientista


por Fernando Soromenho

NA: O autor agradece a Jorge Candeias as valiosas sugestões de revisão.

O dia em que o mundo acabou começou para o cientista como outro qualquer. No seu laboratório, imerso nas profundezas do oceano Atlântico, o cientista testava a criação daquelas terríveis singularidades a que os comuns chamavam buracos negros. A cada dia que passava a sua frustração aumentava; sabia ser possível que algures, na Europa, nos Estados Unidos ou na China ou, pior ainda, nas Arábias, algum outro cientista, daqueles com grupos de trabalho imensos, constituídos por estagiários mal pagos mas brilhantes, conseguiria antes dele criar, manter e manipular uma das singularidades que procurava.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

A Rapariga de Areia


por G. B. Nunes


Quando o Sol roça enfim a linha ténue do horizonte, a areia começa a descansar. Para trás vão ficando longas horas de esmagamento sob o calor tórrido de corpos, de remeximento pelo deambular frenético de pés, de andares, de corridas, de jogos e passeios. Ainda se vê gente na praia, os últimos retardatários, mas a babuja está agora entregue a gaivotas e a pulgas-de-areia que aproveitam a maré baixa para sair das tocas. Um pouco mais acima a areia cobre-se com uma faixa entrecortada de algas secas, trazidas pelas marés-vivas da véspera e ainda não apanhadas por ninguém. O mar continua revolto, desfazendo-se em espuma que vai escurecendo com o recuo da luz, mas para a areia o estrondo solitário da rebentação é uma mudança bem-vinda do coro de gritos e gargalhadas de horas antes. Estes ainda se ouvem, mas mais rarefeitos, em ecos longínquos que ricocheteiam na falésia. Vêm dos restaurantes que a debruam e derramam luzes frias sobre círculos cada vez mais isolados de praia.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O Pacto Macabro da Velha Antonha


por Afonso Luiz Pereira

NE: Este conto está escrito em dialeto nordestino. Temos algumas palavras e expressões mais específicas desse dialeto hiperligadas para que o leitor interessado possa consultar o seu significado. Deixando pairar o ponteiro do rato sobre elas, obterá uma explicação rápida; clicando será enviado para o Priberam ou a Wikipédia.


O caboclo Bentinho era homem de coragem. Ah, era sim. Não havia vivente neste mundão de meu Deus que botasse dúvida de sua macheza na frente das fuças dele, não senhor. E matador também! Sim, muito matador ele era, pois não se metia em encrenca braba com a qual o cabra da peste não resolvesse na ponta da faca. Nas suas costas já se botava por riba uma boa dezena de desafetos, que ele tinha mandado desta pra melhor. A fama do homem corria longe. Muito além das terras que faziam fronteira com a pequena cidade de Juazeiro, onde ele morava, contavam-se os causos de sua valentia. Era assim o caboclo Bentinho: não tinha medo nem de homem nem de bicho e, dizia-se inté, tampouco de assombração!